O que é o Tribunal da Rota Romana? Discorrer sobre a Rota Romana significa abordar um tema imenso, pois se trata de um Tribunal Pontifício que conta com cerca de mil anos. Embora tenha tido alguns períodos de crise, momentos peculiares, a história da Rota é muito longa.

Para proceder com ordem no conhecimento dessa história, creio ser adequado partir das normas atualmente vigentes, as quais estabelecem o perfil da Rota. O Código de Direito Canônico diz que ela é o tribunal ordinário - instituído pela Santa Sé, portanto, tribunal do Sumo Pontífice - constituído, principalmente, para receber as apelações.

Essa definição nos conduz a um conceito fundamental do Direito Canônico, portanto, a um conceito básico do ordenamento eclesiástico, que é seu coração e sua essência. Trata-se do seguinte: o Sumo Pontífice, pela força de seu primado de jurisdição, é o juiz supremo de todos os fiéis, de todos os batizados.

Ele exercita esse seu ministério, digamos, judiciário, de três modos. Primeiro, pelo juízo pessoal, no qual ele próprio julgaria uma pessoa que a ele apelasse; por razões óbvias, isso nunca acontece. Segundo, pelo julgamento através de comissões especiais por ele estabelecidas; isso acontece em certas ocasiões. Terceiro, pelo modo mais comum, portanto, ordinário, que é o exercido através dos tribunais apostólicos; estes têm, pois, o poder ordinário, estável, isto é, dado por uma lei própria, por um poder próprio. É um poder vigário, ou seja, esses tribunais não julgam em nome próprio, mas em nome do Papa.

Quando surgiu a Rota Romana?

As origens da Rota Romana se perdem no tempo. Desde o ano 1100, mais ou menos, existe o registro dos capelães auditores causarum curiæ domini papæ. Eram capelães do Papa, aos quais ele confiava a responsabilidade de instruir as causas remetidas à Santa Sé. Pouco depois lhes foi dado, também, o poder de emitir sentença, julgando em nome do Papa.

Em 1331, o Papa João XXII estabelece uma verdadeira e própria ractio iuris, ou seja, uma lei de funcionamento específico do tribunal. Então surge, por primeira vez, o nome de "Rota". Este apelativo tem muitas interpretações e diversas referências às suas origens.

Alguns afirmam dever o termo ao fato de os juízes se reunirem numa sala do Palácio Apostólico de Avignon - porque o Papa João XXII ali habitava - em cujo pavimento havia uma rota porfiretica, uma roda de mármore. Segundo outros, deve-se ao fato de que as causas eram colocadas num atril que girava e passava os documentos para serem lidos pelos vários auditores.

Porém, a origem que me parece mais plausível, que tem mais substância, é a seguinte: as causas na Rota são julgadas em turnos de três auditores de cada vez, o decano e mais dois, sucessivamente, até o último auditor, o que foi nomeado mais recentemente, chamado novissimus, o qual fecha o giro, fecha o círculo, fecha a roda.

Os pontífices sempre tiveram muito interesse pela Rota Romana, concedendo privilégios, honras e distinções aos auditores - assim são chamados os juízes - devido à responsabilidade e importância de seu trabalho.

Em 1831, Gregório XVI fez da Rota Romana o tribunal de recurso para as causas comerciais e eclesiásticas do Estado Pontifício. Quando, porém, este foi abolido em 1870, a atividade da Rota cessou.

Apesar disso, continuavam sendo nomeados auditores. Por quê? A resposta é muito significativa. Eles tinham, nas celebrações pontifícias, funções que foram mantidas intactas até a reforma da Capela Papal, feita por Paulo VI. Eles eram os subdiáconos apostólicos; assistiam o Papa nas celebrações: um cantava a epístola, outro levava a cruz e um terceiro ministrava a mitra pontifícia. A mitra é um sinal da jurisdição do Papa, da qual a Rota é, por assim dizer, a típica e primeira projeção, pelo menos historicamente.

Havia ainda outro papel, mais discreto e passivo, que os auditores exerciam: eram consultores na Congregação dos Ritos. Naquele tempo era essa Congregação que se ocupava dos processos de canonização, os quais tinham um aspecto muito mais jurídico do que hoje. Então, para garantir a legitimidade jurídica desses processos, sempre estavam presentes três auditores da Rota.

Em 1908, São Pio X fez uma grande e decisiva reforma da Cúria Romana, a primeira depois de sua própria constituição. Nessa ocasião, ele restituiu à Rota suas funções vigárias ordinárias, tipicamente judiciárias. Por isso usa-se o termo Rota Romana restituta, "Restituição da Rota Romana", para referirse ao fato cujo centenário celebramos neste ano.

Qual a competência da Rota Romana?

Como disse, é substancialmente um tribunal de apelação. Entretanto, de qual ou de quais instâncias provém a apelação? Basicamente a estrutura é a seguinte: há uma primeira instância no lugar onde o fiel ou o clérigo mora, que é seguida por uma segunda instância, também local. A Rota constitui uma terceira instância à qual se apela. É evidente que sempre se respeita o princípio jurídico de que, se existem duas sentenças concordes, não há apelação. Porém, se existem duas sentenças divergentes, aí pode ter lugar uma apelação junto à Rota.

Além do mais, a Rota julga em primeira instância os casos nos quais não existe um superior infra Romanum Pontificem, ou seja, não existe ninguém entre o próprio réu e o Santo Padre. Esse é, por exemplo, o caso dos Bispos.

Mais do que competência, a Rota Romana tem um dever: defender os direitos da Igreja. É esse seu chamado mais alto; o menos necessário, porém, de ser exercido. (Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2008, n. 80, p. 18-19)