Quem conhece um tanto os costumes vigentes no paganismo não pode deixar de maravilhar-se com o aparecimento da Fé católica, que sempre procurou, ao longo de toda sua longa existência, dar alento ante os sofrimentos da vida presente, com a perspectiva de uma vida futura que atendesse completamente aos anseios de felicidade da natureza humana. A grande maioria dos pagãos tinha apenas uma noção muito tênue, quando a tinha, sobre o que poderia lhes advir no além. Sobretudo, a idéia de um Deus inteiramente pessoal, protetor e defensor de cada um, que se interessasse pelo destino individual de cada ser existente era-lhes estranha.

Paul Veyne, professor honorário do Collège de France, (Organismo livre de pesquisa intelectual) tece oportunas considerações ( ) em que bem soube interpretar os aprazíveis sentimentos pelos quais os romanos foram tomados ao conhecerem a Boa Nova dos católicos.

Transcrevemos trechos de sua entrevista, que parecem interessar mais especialmente nosso filão de leitores.

O que tocou a sensibilidade dos romanos no recém surgido cristianismo?

O elemento novo e particularmente sedutor do cristianismo é sua explicação de que nos encontramos debaixo do olhar de um pai que nos ama, e que se interessa por cada um pessoalmente; severo sem dúvida, mas que pode perdoar. Existe aí uma relação passional que toma a pessoa.

Em contrapartida, na religião pagã a relação dos homens com os deuses era como de duas potências estrangeiras, que, por vezes, tinham interesses comuns. Os deuses viviam a sua vida, voltados sobre si e os homens podiam ter com eles boas ou más relações, que eram encaradas como relações internacionais, de país a país.

Por outro lado, com o cristianismo, aparecem as obrigações morais, de muita responsabilidade para cada um. Exigências que pesavam muito na força de atração desta nova religião. Alguns interditos de alcance universal, é certo, já existiam sob o paganismo, por exemplo, "Não matar", e eram aceitos por toda a humanidade. Mas, com o cristianismo passaram a ter outro vigor, pois que surgiram como uma lei ditada pelo próprio Deus.

No que se diferenciou a moral cristã da moral comum em Roma?

Com o cristianismo, a moral passou a ser de natureza divina, e não mais resultante de costumes. A moral cristã não consiste em ensinar o que se deve fazer, mas em fazer aquilo que Deus quer. Além do mais, trata-se de uma moral interiorizada, uma moral de pureza de coração; e isto é propriamente um dado novo para os romanos. Os pagãos demoraram em compreender, por exemplo, qual era o mal que havia em simplesmente olhar para certas coisas, sem mais. O que o cristianismo introduziu como novo foram os escrúpulos de consciência.

Escrúpulos de consciência acrescentamos nós, que estiveram na raiz de toda a sociedade Ocidental até mesmo ainda em nossos dias, em que se tem por vezes a impressão de uma quase total ausência deles.

Os romanos foram sensíveis a eles e consideraram-nos como uma vantagem outorgada pela adesão ao cristianismo.