Notre-Dame de Paris! Quem não ouviu falar da mais célebre catedral da França, talvez da Europa, ou seja, do mundo?

Por seus majestosos portais passam a cada ano mais de cinco milhões de visitantes que, ávidos de beleza, se encantam com essa maravilha de pedra.

Mas não é só a famosa igreja parisiense que exerce esse misterioso poder de atração sobre as multidões. Quem percorre a velha Europa vê o mesmo em Sevilha, Burgos, Ávila, Colônia, Rouen, Chartres, Bourges, Amiens, Milão, Canterbury, e muitas outras.

Os incontáveis peregrinos e turistas que visitam esses colossais monumentos, passeando por suas vastas naves, encantam-se com os vitrais, admiram a inocência dos desenhos que a luz do sol transforma em pedras preciosas multicoloridas refletindo-se caprichosamente nas paredes de pedra, e maravilham-se com a beleza das imagens. Talvez muito poucos, porém, se perguntem como vieram à luz do dia esses colossos de pedra, que erguem para o céu suas agulhas e ogivas como quem reza a Deus.

Para Deus, deve-se dar o mais belo e esplendoroso

Como se construíram as catedrais?

Para melhor responder a essa questão, deve-se ter presente que a Idade Média caracterizou-se pela influência da Igreja em todo o corpo social e pela docilidade dos medievais à graça de Deus.

Somente tendo em conta o fator religioso se pode compreender a construção das catedrais medievais, cada uma das quais, como veremos, não foi obra de um governante, um bispo, uma empresa construtora. Não! Foi obra de todo o corpo social, com características nunca vistas depois. Essas catedrais tinham proporções enormes, às vezes sem relação com o tamanho da cidade ou povoado onde se edificavam, como a de Chartres, a de Burgos, a de Ely, etc.

No entusiasmo dos fiéis se encontram as razões da construção de tão grandes templos. Por exemplo, quando se expunham as relíquias de São Dionísio na antiga igreja erguida em sua honra perto de Paris, tamanha era a afluência de devotos que muitas vezes os clérigos só conseguiam sair pelas janelas. Essas aglomerações, que se verificavam sobretudo nos santuários para os quais convergiam as grandes peregrinações, causavam freqüentes acidentes, vitimando especialmente pessoas idosas. Da necessidade de solucionar tais problemas surgiram alguns grandes edifícios sagrados, como os de Toulouse, na França, e Santiago de Compostela, na Espanha.

Contudo, é verdade também que, em muitos casos, o que levou à construção dessas enormes e maravilhosas igrejas foi a convicção de que para Deus, para o culto divino, deve-se dar o que há de mais belo, mais esplendoroso. Por exemplo, não foi outro o motivo pelo qual o Bispo de Paris, Maurício de Sully, fez demolir a pequena igreja que se encontrava em perfeito estado de conservação, para edificar em seu lugar a mundialmente célebre Catedral de Notre-Dame. O mesmo fizeram os bispos de Laon, Reims e Burgos, onde se ergueram esplêndidos templos góticos.

Esses homens construíam pensando em Deus

Sem dúvida, foi o clero a força propulsora dessas imensas obras. Os monges, sobretudo, estavam à testa desse movimento que levou a civilização a um auge até então nunca visto. A arte, a cultura, a arquitetura, a engenharia, a medicina, a agricultura e... até a culinária encontraram nos mosteiros medievais um grande impulso rumo ao esplendor.

O medieval construía pensando em Deus, cogitando na eternidade, e por isso sua arte era de uma beleza sem igual. Os construtores não tinham em vista o prestígio que seu trabalho lhes daria nem a quantidade de dinheiro que ganhariam com suas obras.

Quem dava início à construção de uma catedral?

Geralmente, o bispo. Considerados em seu conjunto, os bispos da época, como autênticos pastores do povo de Deus, souberam interpretar essa aspiração à beleza e à perfeição que se manifestava de um modo sempre crescente. Era, pois, natural que quisessem embelezar e ampliar quanto possível a Casa do Senhor.

Trabalho voluntário, movido pela fé e pelo fervor

Em Paris, em Ávila, em Colônia, em York ou qualquer outra cidade, todo o povo participava desses prodigiosos empreendimentos. Muitíssimos trabalhavam na obra com suas próprias mãos, outros ofereciam recursos financeiros, outros ainda davam o valioso contributo das orações; todos colaboravam com entusiasmo. Pode-se, inclusive, perguntar como algumas cidades relativamente modestas - de umas dezenas de milhares de habitantes - podiam sustentar o esforço necessário para financiar os serviços, alimentar e alojar os trabalhadores, etc.

A resposta não é difícil. Havia, é claro, a necessidade de mãode- obra profissional. Mas em grande parte os serviços eram executados por trabalhadores voluntários, movidos pela fé e pelo fervor. Numa perfeita concórdia uniam esforços os nobres, os magistrados, os comerciantes, os mestres-artesãos e o povo simples da cidade e dos campos circunvizinhos. Em sua portentosa História da Igreja, Daniel- Rops transcreve este significativo trecho de um documento relativo à construção da catedral de Nossa Senhora de Chartres:

"Viam-se homens vigorosos, orgulhosos de seu nobre nascimento e de suas riquezas, e acostumados a uma vida de ócio, atrelarem-se com correias a um carroção e arrastar pedras, cal, madeira e todos os materiais necessários. (...) Às vezes, mil pessoas e mais, homens e mulheres, puxavam tais carroções, tão pesada era a sua carga. E tudo num tal silêncio que não se ouvia uma única voz ou murmúrio. Quando paravam ao longo do caminho, apenas se ouvia a confissão dos pecados e uma oração pura e suplicante a Deus, pedindo perdão das faltas cometidas. Os padres exortavam à concórdia; calavamse os ódios, as inimizades desapareciam, as dívidas eram perdoadas e os espíritos reentravam na unidade. Se aparecia alguém tão aferrado ao mal que não queria perdoar e seguir o conselho dos padres, a sua oferenda era lançada fora do carroção e ele mesmo expulso com ignomínia da sociedade do povo santo."

Ninguém se eximia de colaborar

Todos davam uma ajuda econômica para levar a cabo a grande obra: o bispo, os abades, os cônegos, os nobres, os burgueses ricos, os artesãos, os humildes trabalhadores manuais - ninguém procurava se eximir, por mais pobre que fosse. O mesmo Daniel- Rops cita esta frase do Cardeal Eudes de Chateauroux, Legado papal: "Foi com os óbolos de mulheres já idosas que se construiu, em grande parte, a catedral de Paris".

Além disso, pedia-se ao rei uma contribuição, e sua resposta era sempre generosa. Mensageiros faziam coletas nas regiões vizinhas, com excelentes resultados. Essa obra era tão agradável ao bom Deus que às vezes Ele próprio intervinha, operando milagres em favor de algum doador cuja oferenda Lhe tinha sido especialmente agradável. Daniel-Rops menciona o caso de um estudante inglês que doou para a construção de Notre-Dame de Paris o broche de ouro que, de retorno à pátria, levava de presente para sua noiva: a Santíssima Virgem apareceu-lhe no caminho e lhe devolveu a preciosa jóia...

Por vezes um doador generoso tomava a seu cargo uma parte do edifício; noutra ocasião, uma corporação de ofício oferecia um vitral. Em Chartres, 19 corporações ofereceram 47; até hoje podem-se ver os vitrais oferecidos pelos padeiros, pelos moleiros, pelos pescadores e outros.

Eles tinham fé e amavam a beleza

Entre os construtores das catedrais havia, evidentemente, profissionais que não eram modelo de santidade. Não se pode negar, porém, que todos eram homens de fé. Daniel-Rops afirma isso com o brilho e o picante do espírito francês: "Estava-se, nesse tempo, o mais longe possível desses artistas modernos que ‘fazem arte sacra' proclamando que não têm fé..." Ademais, os construtores das catedrais tinham a convicção de estarem edificando "para Deus", amavam o belo e o grandioso, e exerciam com gosto o seu ofício. Não se admira, pois, que cada detalhe da catedral fosse uma obra de arte.

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Quem caminha pelas nossas cidades modernas, cheias de ruídos cacofônicos; quem vive na agitação da vida atual, locomovendo-se em velozes mas estressantes meios de transportes, e sofrendo as aflições do trânsito das grandes metrópoles poluídas e barulhentas, ao transpor os santos umbrais de qualquer uma das grandiosas catedrais góticas, sente grande paz, e algo mais de especial.

É como se aquelas benditas pedras e vitrais lhe falassem no fundo da alma, numa linguagem muda, recordando- lhe as verdades eternas, transmitindo- lhe a apetência das coisas celestes e o desejo de agradar a Deus. É para isso mesmo que elas foram construídas. (Revista Arautos do Evangelho, Abril/2006, n. 52, p. 38 à 41)