As virtudes que identificam o cristão são, de modo geral, a fé, a esperança e a caridade. Juntas, recebem o nome de virtudes teologais, pois regem a relação do humano para com Deus. As três também são o fundamento para a recepção de todos os outros benefícios de nosso Criador, pois é através delas, por exemplo, que dignamente podemos tomar os sacramentos como a comunhão, a crisma, a ordem e o matrimônio.
Porém, quando falamos em acreditar na existência de Deus, capacitada pela virtude da fé, comumente ouvimos ser esta inimiga da razão. Ou melhor, que a razão veio para iluminar o mundo dos mitos obscuros que se baseavam na crença cega. Diante disso, qual é a defesa para o verdadeiro católico: apoiar-se na sua fé ou seguir o partido da razão? Será que a fé e a razão são realmente opostas como tanto nos contam?
Para a virtude da fé, seguimos o que foi comentado no artigo anterior: é uma certeza a respeito do que não se vê. De modo resumido, a fé nos permite crer sem ver, respeitar as realidades superiores que nossos sentidos não alcançam.
Já a razão é um dote apenas dos seres inteligentes, portadores de uma alma imortal, criados a imagem e semelhança de Deus: numa explicação fácil de entender, é a capacidade de operar raciocínios, ou seja, juntar informações com outras e concluir algo novo, que ainda não havia sido anunciado.
Porém, para entendermos melhor o porquê tanto se prega a desarmonia entre fé e razão, vamos dividir esta em duas áreas: a razão filosófica e a científica. A primeira constrói e desconstrói informações e conclusões através da observação e especulação; a segunda procura a validação através de testes. Como a razão filosófica trabalha muitas vezes com elementos abstratos, sempre as antagonizadas são a fé e a ciência: uma crê sem experimentação material, a outra só acredita depois de exaustiva comprovação de dados.
Porém, aqui começa o primeiro impasse: se a ciência é o estudo dos fenômenos naturais, suas causas e consequências e das leis que os regem, como pode ela estabelecer alguma regra sobre a fé, que versa sobre Deus, um Ser que não é material? Seria a mesma coisa de pedirmos a um jornaleiro que nos escrevesse um artigo de economia. Por mais que ele trabalhe com jornais, escrever um artigo transcende a operação de entregá-los. Portanto, percebemos que o cientista não pode ter algo a comprovar sobre Deus, a não ser reconhecer que Ele está fora de sua jurisdição. Opinião todos têm direito; já dissertar um artigo provando por A+B que Deus não existe e que é fé é inútil sai completamente de sua alçada.
E este impasse se estende por todas as áreas científicas. Por exemplo: em uma teoria massivamente aceita por uma grande parte dos cientistas, o universo teria se originado de um ponto que teria se expandido até ser o que é hoje. Como é possível calcular a expansão do universo, ao fazer a operação inversa se pode determinar que, há tantos milhões de anos, ele era menor. E assim sucessivamente, podemos ir até o tempo 0, onde o universo estava para se originar.
A ciência pode fazer todas as formulações que quiser, até o tempo 0; antes dele, já não cabe mais a ela, porque já extrapola os limites do material; por isso, não pode e nem poderá determinar nunca, através de seu método, o que veio antes da criação do universo material. Aqui ela se limita a contemplar o que outra área tem a dizer: entra em cena a fé.
A razão filosófica tem um papel de ponte entre a ciência e a fé, mas não são uma coisa só. O ser humano, depois de investigar toda a natureza que o cerca, evolui para um pensamento mais puro, procurando respostas que não estão escritas na experimentação natural: quem sou, para onde caminho, o que farei com minha vida, são exemplos de questões mais profundas, elaboradas pela razão filosófica.
Mas, apesar de elaborar tantas opções, ela não conclui, pois as incertezas e as variáveis são muitas; quem tem as respostas é a fé. Ela explica ao ser humano sua função neste mundo, o que está em jogo e como deve ser sua conduta, perante si próprio, a natureza e a sociedade. A fé nos é transmitida pelo magistério eclesiástico, pela tradição e pelas Sagradas Revelações, os livros da Bíblia. Ali, o cristão acha o conforto para os mistérios que não consegue naturalmente, seja através de testes empíricos ou elaborados raciocínios, resolver.
Como homens, possuímos, por natureza, um corpo mortal e uma alma imortal. Somos uma dualidade de elementos que nos tornam únicos; era, por isso, necessário que nosso modo de conhecer as coisas também fosse duplo.
A ciência e a razão são relacionadas ao primeiro de nossos elementos, a material, enquanto a fé sacia o espiritual, a alma. Por isso, não são os elas inimigas, mas complementares: a razão suporta a fé e a fé eleva a razão. Não são como a bengala e a laranja, duas coisas que mal se relacionam, mas sim são como dois pares de asas responsáveis por nos levar ao melhor das duas realidades, ambas criadas por Deus e ambas quistas também por Ele. Foi o criador que nos presenteou com tantas maravilhas materiais, e quis que nos desenvolvêssemos no meio delas, e que reconhecêssemos nelas as suas pegadas. Mas também foi Ele que se dispôs como nosso prêmio, pois nossa alma só se satisfaz com o infinito, e só Deus é infinito.
Por isso, o verdadeiro cientista é um fervoroso crente, enquanto o ardoroso homem de oração se maravilha com a ciência e procura pelas explicações que ela determina. Os discursos contrários são, na verdade, espalhafatosas expressões de homens incompletos, ressentidos demais para atestarem o quão completo é o ser humano.