Sábio, pela definição filosófica clássica, é quem conhece e julga as coisas, pela razão natural, por suas últimas e mais altas causas. Entretanto, quando alguém as julga por instinto divino, possui o dom sobrenatural de sabedoria. É próprio deste dom do Espírito Santo conceder à alma uma visão profunda de todas as realidades, segundo o prisma divino.
Por isso, pode acontecer que uma alma simples e ignorante, sem estudos teológicos, possua “pelo dom de sabedoria um conhecimento profundíssimo das coisas divinas que pasma e maravilha aos mais eminentes teólogos”. Tal foi o que sucedeu, por exemplo, a Santa Joana d’Arc, ante seus pérfidos juízes, ou a Santa Bernadete e aos Pastorinhos de Fátima, ao serem inquiridos sobre a veracidade das aparições de Nossa Senhora, em Lourdes e em Fátima.
E como tudo no universo criado tem uma estreita relação com seu Criador, até mesmo as mínimas coisas, se são contempladas à luz da sabedoria, nos manifestam sua ligação com Deus. Sendo este dom infundido no Batismo, é possível a qualquer cristão encontrar nos pequenos acontecimentos do dia a dia as lições que o Altíssimo deseja transmitir-lhe.
Foi o que se passou em uma de nossas casas quando, numa manhã, entraram no refeitório dois tico-ticos procurando o seu “desjejum”… Uma das religiosas que servia à mesa, vendo que a busca lhes resultava difícil, decidiu auxiliá-los, atirando-lhes umas migalhes de pão. Um dos passarinhos as encontrou e comeu, satisfeito. Novamente os dois tico-ticos receberam mais algumas migalhas das mãos amigas. Desta vez, porém, as avezinhas começaram a brigar pelo mesmo bocado, enquanto a religiosa que tinha o pão na mão lhes jogava mais alimento, para parar aquele duelo. Eles, contudo, nada viram e continuaram a peleja, despertando o sorriso das outras irmãs que observavam a cena.
Ora, quantas vezes nossa reação não é muito diferente da atitude destes dois passarinhos… Ficamos presos às nossas necessidades mais imediatas e não percebemos os aspectos mais altos de nossa existência!
Deus, que tem todo o universo nas mãos, nos derrama com abundância suas graças. Nós, todavia, como temos as nossas vistas postas nas coisas deste mundo, não vemos a imensidade destas graças em torno de nós e fixamos nossa atenção apenas nas coisinhas corriqueiras da vida concreta.
Em nosso tempo hodierno, onde prevalecem a correria e o poder do dinheiro, a mentalidade do homem se prende ao palpável e ao programado, fruto de uma concepção ateu-prática da existência, em que tudo funciona sem Deus. Quando acontece algo inesperado, uma desgraça qualquer, todos procuram uma explicação natural e um modo humano para resolver. Não há lugar para a sabedoria em seus domínios…
Devemos levantar voo com as asas espirituais que Deus nos concede para nos beneficiarmos de suas graças: é só parar, olhar para Ele, aproximarmo-nos e pedir. Uma destas asas que nos ajudam a voar é o sofrimento! Sim, sobretudo aquele que parece não ter uma solução terrena, que nos faz sentir quanto nossa vida é frágil e dependemos do auxílio divino.
É quando a pessoa para e percebe que não adianta negociar, brigar, dar um jeitinho… Ela deve abraçar o sofrimento e voar para Deus! Voar para ver como as coisas têm sentido se contempladas à luz dos olhos divinos, pois o que vale mesmo são as realidades sobrenaturais.
Devemos viver como o sábio, com as vistas postas na vida eterna e não como os tico-ticos, brigando por uma migalha de pão… Porque ter tudo sem Deus é não ter nada; mas perder tudo por Deus, até a própria vida, se preciso for, é ter tudo! (por Lúcia Nga Thi Vu; Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2016, n. 176, pp. 50-51)