É universal a fama do Santuário de Lourdes, local onde Nossa Senhora apareceu por 18 vezes a Santa Bernadete Soubirous, em 1854, e que se tornou nos anos sucessivos um dos maiores centros de peregrinações do mundo. Sobre o intenso amor que a piedosa vidente nutriu para com a Mãe de Deus ao longo de sua vida, escreve o Pe. Trochu:
“Eu A levo no coração!”
A devoção à Santíssima Virgem tinha de ser particularmente terna e filial. Maria, seu ideal vivo, ocupava em seu coração um lugar muito próximo a Nossa Senhora, declarou sua enfermeira, Irmã Marta. “Era preciso ouvi-la quando pronunciava a Ave-Maria. Que acento de piedade, especialmente quando pronunciava as palavras ‘pobres pecadores’! E quando dizia ‘Minha Mãe celestial’, nada mais podia acrescentar.”
Alguém se atreveu a perguntar-lhe se a lembrança da aparição se tinha apagado em sua memória. “Apagado? — exclamou em tom de censura. Oh! não, jamais!”. E levando a mão direita sobre sua fronte, dizia: “Está aqui”. “Deveria nos fazer — lhe sugeriu uma companheira — uma descrição de como era a Virgem, posto que a senhora sabe como era Ela”. “Não poderia nem saberia fazê-lo — foi a única resposta que deu. Eu para mim não necessito, pois A levo no coração”.
A devoção mariana encheu de certo modo toda sua vida. Tinha necessidade de meditar sobre a Virgem. Via Maria em tudo e por tudo com seu coração e entendimento. Quando rezava à Santíssima Virgem, atesta Irmã Gonzaga, parecia ainda que A estava vendo. Se alguém lhe pedia alcançasse alguma graça, imediatamente respondia que rogaria à Santíssima Virgem.
Santa Bernadete se comprazia em louvá-La, fazê-La conhecer, amá-La e servi-La. Esforçava-se em imitar suas virtudes, especialmente sua humildade e renúncia. Dedicou-se, para sua devoção, a compor acrósticos — escritos poéticos em que as letras iniciais, reunidas, formam verticalmente uma palavra ou frase — em homenagem a Nossa Senhora, e o primeiro deles tinha o nome de MARIA, a partir dos termos: mortificação, amor, regularidade, inocência, abandono.
Toda sua vida desfiou o Rosário como tinha feito em Lourdes. Esta era sua devoção preferida, disse uma superiora geral. Mais de uma vez, na enfermaria, a Irmã Gonzaga Champi alternou as Ave-Marias com ela. “Então, recorda essa freira, os olhos escuros, profundos e brilhantes de Bernadete, pareciam como se estivessem vendo Nossa Senhora”. Pela noite, quando se ia dormir, recomendava a uma companheira: “Toma o Rosário e durma rezando. Farás o mesmo que fazem as crianças pequenas que adormecem dizendo ‘mamãe, mamãe’…”.
As virtudes da vidente abonam a autenticidade das aparições
Essas notas sobre Santa Bernadete atestam sua ardente devoção a Nossa Senhora, e nos mostram como seu filial e terno relacionamento com a Santíssima Virgem era motivo de grande edificação para suas irmãs de hábito.
É interessante observar que Santa Bernadete teve uma vocação bastante similar à da Irmã Lúcia. A esta foi confiada a missão de revelar ao mundo as aparições de Fátima, e àquela, as de Lourdes. Uma vez cumprida a tarefa, Bernadete — assim como Lúcia — prestigiou as aparições de Massabielle tornando-se freira, santificando-se no convento e, posteriormente, sendo elevada à honra dos altares.
Embora a Igreja não determine, sob pena de pecado, acreditar-se nas aparições de Lourdes — pois são de caráter privado, e em matéria de fatos sobrenaturais somos obrigados apenas a crer nos oficiais —, na realidade roça pela heresia quem as conteste. Porque seria preciso admitir que uma santa canonizada tivesse tido tais ilusões.
Ora, isso não se pode fazer. De maneira que a vida e as virtudes de Santa Bernadete de algum modo atestam a autenticidade das aparições de Lourdes. Aliás, elas estão também exuberantemente corroboradas pelos milagres que ali se operam, os quais constituem uma prova de que em Lourdes realmente é a graça que atua.
Durante uma das visões de Santa Bernadete, a Santíssima Virgem lhe disse: “Revolva a terra com suas mãos, que dela nascerá uma fonte”. A menina, uma camponesa, não teve dificuldade em escavar o solo no local indicado por Nossa Senhora. E ali, onde ninguém supunha existir água, esta começou a brotar. Assim surgiu a fonte de Lourdes, manancial de curas e conversões miraculosas, conforme prometera a Rainha do Céu.
Portanto, a santidade de vida de Bernadete atesta a sinceridade de suas visões, seu equilíbrio mental e contribui, de certa forma, para demonstrar a veracidade dos fatos milagrosos ocorridos em Lourdes.
Fora desses acontecimentos públicos, ela permaneceu silenciosa, cumprindo sua missão privada. E nisso podemos aquilatar a beleza e a riqueza extraordinárias da Igreja, em cujo universo a Providência suscita diferentes vocações. Este tem uma tarefa, aquele outra, e aquele outra. Nossa Senhora distribui a cada pessoa uma determinada missão, que ela deve cumprir inteiramente, sem se imiscuir na função para a qual não foi chamada.
Em três grandes aparições, importantes mensagens
A propósito desses breves comentários, seja-me permitido ainda fazer notar um pormenor interessante. Em Lourdes Nossa Senhora comunicou também a Santa Bernadete um segredo, que deveria chegar ao Papa Pio IX.
De maneira que temos uma série de mensagens transmitidas pela Santíssima Virgem, desde meados do século XIX até 1917, em três grandes aparições — La Salette, Lourdes e Fátima — que deveriam ser reveladas aos homens gradualmente, com as devidas cautelas.
Isso nos leva a pedir a Santa Bernadete, verdadeira precursora da Irmã Lúcia, que disponha nossas almas para, com todo fervor, seriedade e recolhimento, estarmos prontos a conhecer e dar ouvidos a essas mensagens, de modo muito particular à de Fátima, cujas partes divulgadas já tiveram impressionantes confirmações.
Devemos pedir a cura de nossas almas
Por fim, vale ainda refletirmos no seguinte ponto. Nossa Senhora de Lourdes opera muitas curas. Que é mais difícil: sanar o corpo ou a alma?
Evidentemente, para a Rainha do Céu e da Terra não há dificuldade em fazer uma ou outra coisa. Tudo aquilo que a Santíssima Virgem pedir a Deus, Ela obtém. Ora, se Ela restituiu a saúde a tantos corpos, peçamos-Lhe que o faça igualmente em relação às nossas almas.E supliquemos à Mãe do Criador transmudar nossos corações, de maneira tal que chagas ocultas, defeitos ignorados às vezes por nós mesmos, apegos, desordens de todo tipo desapareçam maravilhosamente pela ação d’Ela.
Sabemos que as moléstias físicas curadas por Nosso Senhor, como narra o Evangelho, simbolizam enfermidades morais. Assim como há cegueira ou paralisia no corpo, existem as das almas. E segundo os comentaristas da Sagrada Escritura, o Redentor curava os corpos para atestar seu poder de operar curas morais.
Quiçá alguns de nós terão um estado de alma simbolizado pelos cegos, surdos, mudos, paralíticos, epilépticos e, infelizmente, até pelos leprosos. Peçamos, pois, a Nossa Senhora, pela intercessão de Santa Bernadete Soubirous, que nos cure de tudo isso e nos obtenha a graça de ficarmos com a alma verdadeiramente renovada e pura, semelhante à d’Ela. (Revista Dr. Plinio, Abril/2005, n. 85, p. 26 a 31).