A vida e missão profética de São João Batista, marcadas pela vigorosa personalidade do Precursor, teve um início que nos enche de admiração e enlevo, por nele estar envolvida a própria Mãe de Deus.
Como se sabe, na mesma ocasião em que o Verbo Eterno se encarnava no seu seio puríssimo, Nossa Senhora recebeu do Anjo a revelação de que sua prima Isabel também esperava uma criança. Ciente dessa feliz circunstância, Maria decidiu atravessar as estradas e montanhas da Judéia para se encontrar com sua parente e compartilhar com ela as alegrias daquela futura e tão ansiada maternidade.
O encontro entre as duas é uma das mais lindas páginas da História Sagrada, magistralmente imaginado e retratado pelos maiores artistas da iconografia católica. Além disso, foi nesse momento que Nossa Senhora entoou o único hino que se tem notícia haver brotado de seus lábios virginais — o Magnificat.
Santificado pela voz de Nossa Senhora
E foi naquele instante, ainda, que se verificou o fato da manifestação jubilosa do Batista, conforme o exprimiu Santa Isabel: “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor? Pois assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio” (Lc 1, 43-44).
Nossa Senhora falou, e um frêmito de contentamento percorreu o frágil corpo do menino no claustro materno. Por quê?
Segundo conceituados autores — não se trata, portanto, de opinião imposta pela Igreja —, São João Batista, sendo o último dos profetas do Antigo Testamento, podia aquilatar o que representava a Mãe de Deus e o significado da Encarnação que n’Ela se operara, tão intimamente relacionada com sua missão. Afinal, ele iria anunciar o advento iminente do Salvador do mundo. Assim, ao ouvir a voz da Virgem Bendita, ao sentir a presença de Deus, o menino estremeceu de alegria. E, também de acordo com os teólogos, nesse momento, ainda no seio materno, ele foi santificado por Maria.
Podemos conjecturar que Nossa Senhora comunicou, de um modo misterioso, algo do espírito d’Ela a São João Batista. E tudo quanto este fez em sua vida, era uma decorrência dessa graça inicial recebida pela intercessão de Maria, constantemente intensificada até atingir uma plenitude no momento de seu martírio. Então, o São João Batista asceta e austero, o pregador do Cordeiro Deus, o herói que enfrenta Herodes e morre como testemunha da Fé, sublime de grandeza e de serenidade, nos revela reflexos da própria alma de Nossa Senhora que lhe foram participados no encontro das duas primas.
Desse fato maravilhoso decorre uma importante aplicação para nossa vida espiritual. Pois nele discernimos o poder insondável de Nossa Senhora como Medianeira de todas as graças e onipotência suplicante em nosso favor. O eco da voz d’Ela santificou um homem de um momento para outro, infundiu-lhe um grau eminente de perfeição moral.
Ora, isso é o que devemos esperar que a Santíssima Virgem obtenha para cada um de nós. Peçamos a Ela, com inteira confiança, que fale no íntimo de nossa alma, e que esse timbre imaculado nos santifique de um instante para outro, concedendo-nos uma virtude que anos de lutas e de trabalhos não nos proporcionaram. Por isso, todo aquele que tenha algum desânimo, tristeza ou perplexidade na vida espiritual, pode fazer sua a prece que a liturgia tomou das palavras do centurião a Jesus, e dirigir-se a Maria Santíssima: “Senhora, eu não sou digno de ouvir a vossa voz, mas dizei uma só palavra e a minha alma será transformada, se Vós assim o quiserdes”.
Portanto, devemos desejar que a voz de Nossa Senhora nos toque a alma e a faça estremecer de júbilo, como o fez com a alma de São João Batista.
Semelhança física com Jesus
A par desse extraordinário acontecimento ocorrido nos primórdios de sua existência, é sobremaneira belo considerarmos o papel de São João na vida do Filho de Deus. Basta imaginarmos quantas vezes Nosso Senhor não terá louvado e glorificado São João Batista no interior de sua alma! Quanto vezes, pregando para as multidões, observando a alma deste, daquele ou daquele outro, preparada pela “voz que clamava no deserto”, terá pensado: “Aqui passou o meu dileto, meu precursor, o homem nascido do mesmo sangue que eu, descendente de David, abrindo os caminhos dos corações para Mim. E naquele lampejo de virtude, naquele olhar de simpatia, naquele ato de adoração, naquela maior facilidade para tal conversão, naquela pureza expressa em tal outra alma, vejo o fruto da pregação do meu dileto!”
Quantas e quantas vezes assim se encontraram as almas do Precursor e de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Agora, qual era o aspecto físico e o semblante moral desse homem?
As descrições no-lo apresenta um tanto parecido com Nosso Senhor. Jesus era de estatura elevada, de uma compleição harmoniosa e forte, com uma plenitude de varonilidade unida a uma delicadeza e a uma nota de sobrenatural, constituindo um todo do qual podemos ter idéia contemplando o Santo Sudário de Turim.
Assim também seria São João Batista, porém com uma característica diferente. O Precursor representa a penitência, o jejum, a flagelação, a solidão no deserto, a mortificação. Por causa disso, seu corpo tinha a pele bronzeada por mil sóis, pelos calores ardentes do Oriente Médio. Além disso, apesar de forte, sem ser esquelético nem de natureza doentia, era entretanto muito magro, de tal maneira os jejuns o haviam consumido.
Retidão e severidade
Quanto ao feitio moral, é inegável que São João Batista, embora repassado de bondade e compaixão, era a própria representação da severidade. Ele peregrinava por todas as partes clamando: “Fazei penitência, porque o Senhor está próximo!”, e sua única preocupação era a de cumprir a vocação para a qual fora suscitado: levar os corações a se purificarem, para receber dignamente o Messias.
Ora, fazer penitência não é coisa simples. Só se convence alguém a se mortificar, quando o convencemos de que pecou. E nisso estava o cerne da missão de São João Batista. Quer dizer, ele se entregara ao jejum e aos sacrifícios, para pagar pelas faltas do povo. Para que Deus, em atenção à penitência que ele próprio praticara, concedesse eficácia às suas palavras e perdoasse aqueles aos quais pregaria.
Porém, para aquela gente em grande parte tomada pela ganância, voltada para as coisas terrenas, adoradora do conforto e da vida agradável (na medida que as condições daquele tempo o permitiam), aparece um homem que era o contrário de tudo isso. Desprendido, desapegado, um facho ardente de amor de Deus, vivendo apenas para realizar sua tarefa. Àqueles que esperavam um Messias temporal, um rei poderoso, este era anunciado, não por um guerreiro nem por um potentado, mas por um homem penitente.
O Batista produziu um choque nas pessoas. E o contraste do homem sensual, ganancioso, com aquele varão reto, simples, eloqüente, que o tempo inteiro bradava: “Fazei penitência!”, deixava as consciências profundamente abaladas. Ele produzia uma grande vergonha. As pessoas compreendiam, no contato com São João, que não deviam ser ruins. E o Precursor completava esse efeito, dizendo-lhes: “Endireitai os caminhos do Senhor. Aí vem o Messias. O dia de Deus está próximo”, etc.
Ele era, portanto, a própria expressão da limpeza de alma, porque o puro detesta o sujo, o reto detesta o sinuoso, o corajoso aborrece o covarde. Nisso ele era a severidade, essa virtude pela qual se rejeita o que deve ser rejeitado. Diante das suas admoestações, os outros sentiam e reconheciam seus próprios defeitos. Ele passava e todos o respeitavam, todos os obedeciam. E assim ia preparando os caminhos de Deus.
Até o desenlace de sua intensa trajetória neste mundo, interrompida de modo criminoso pela poltronice e luxúria de um rei infame, incapaz de resistir às artimanhas da mulher que desposara ilegitimamente. A pedido dela, São João Batista morreu decapitado, vertendo seu sangue em união com o do Cordeiro de Deus, que logo seria também imolado no Calvário.
Graça a pedir a São João Batista
Uma pergunta que acredito muito interessante é esta: se São João Batista passasse por uma cidade de hoje, que efeito ele produziria? Se, de repente, em nosso bairro, em nossa rua, em nossa própria casa, surgisse esse homem com a sua fisionomia austera e bondosa, dizendo-nos: “Fazei penitência!”, que sentimentos despertaria em nós?
Imaginemos que, ao vê-lo, sentíssemos com maior agudeza todos os nossos defeitos e o mal que há neles; penetrássemos nossa consciência no mais fundo, permitindo que se realizasse conosco o que David exprime no Salmo: “Peccatum meum contra me est semper”. Ou seja, os meus pecados, minhas faltas como que se destacaram de mim e se puseram à minha frente como um outro homem, onde permanecem continuamente me censurando. Ali estou eu com todos os meus defeitos.
Achar-nos-íamos preparados para receber esta presença celeste, cheia de severidade e de bondade? Amaríamos aquele que nos apontasse os nossos defeitos por inteiro? Seríamos ávidos dessa revelação e dispostos a aproveitá-la? Nós o agradeceríamos? O que nos aconteceria?
A melhor reação que poderíamos manifestar não é outra senão de reconhecido enlevo, de humildade e sincera contrição perante as justas censuras que ele nos dirigiria. Nossa atitude deveria ser a de quem se sente feliz e aliviado por lhe terem sido reveladas as faltas que o impedem de trilhar as vias da perfeição. E exclamar: “Que maravilha de homem! Veja como ele detesta os meus pecados! Como ele é puro, íntegro, sem nada dessa mazela horrorosa que há em mim! Como ele aponta com clareza o que tenho de ruim, e me deixa contente porque alguém me admoesta como mereço!”
Em seguida, ajoelharíamos e oscularíamos os pés dele, rogando-lhe: “Ó enviado de Deus, dizei-me tudo. Necessito dessa repreensão que me tire de meu letargo espiritual e me dê vontade, finalmente, de ser bom. Fazei descer sobre mim as torrentes regeneradoras e purificadoras de vossa severidade. Falai, que eu vos escuto!”
E assim, como outrora preparou ele os caminhos do Senhor em Israel, São João Batista também aplainaria em nossas almas as veredas que a conduzem ao Reino de Deus.
Peçamos, pois, ao santo Precursor que, pela intercessão de Maria Virgem, alcance-nos da misericórdia divina essa insigne graça de reconhecermos e vencermos nossos defeitos, para nos tornarmos dignos da bem-aventurança eterna. (Revista Dr. Plinio, Junho/2004, n. 75, p. 22 a 25).