Cruzou o caminho de Jesus e foi salva por seu amor

Pecadora! Por este e outros epítetos nada elogiosos se apontava em Jerusalém e adjacências Maria Madalena, mulher rica, de nobre estirpe, notável beleza e vida dissoluta. Muito jovem ainda, deixara-se arrastar pela vaidade, primeiro passo na escorregadia rampa que conduz aos pântanos da impureza.Maria Madalena

Em determinado momento, contudo, seus caminhos se cruzaram com os de Jesus. Os Evangelistas não informam onde, quando nem como se deu esse primeiro encontro, mas algum tempo depois ela protagonizou um dos mais conhecidos episódios do Novo Testamento: trazendo na mão um vaso de alabastro cheio de valioso perfume, irrompeu na sala de refeições do fariseu Simão, dirigiu-se em linha reta ao local onde estava o Mestre, banhou seus pés com abundantes lágrimas, enxugou-os com seus cabelos, cobriu-os de beijos e, por fim, os ungiu com o requintado perfume (cf. Lc 7, 36-50). 

Lavou com lágrimas a imundice do seu pecado

Cena empolgante, sem dúvida! Não, porém, para Simão e os demais convivas. Estes a viram com estupor, mas sem coragem de manifestar a censura que fervia em seus corações. “Se este Homem fosse profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que O toca, pois é pecadora” (Lc 7, 39) – sentenciou em seu íntimo o fariseu.

Pela má-fé e pela inveja, ele não percebeu a inegável realidade: quem ali estava não era a Pecadora, mas a Santa! Sim, pois uma tal demonstração de arrependimento e de amor só poderia partir de uma alma posta já decididamente nas trilhas da santidade. “Ela lavou com suas lágrimas a imundice de seus pecados” e, “pelo fogo do amor divino, queimou em seu coração o amor carnal”, comenta o Papa São Gregório Magno.

MadalenaDali saiu Madalena com uma nova alcunha que ressoa há dois mil anos na História: pecadora arrependida. E é venerada no mundo inteiro como modelo e padroeira de todos quantos desejam se libertar da mais terrível das escravidões, a do pecado.

Contudo, o próprio Jesus lhe deu nesse dia um título mais glorioso: aquela que muito amou (cf. Lc 7, 47). E ela refulge no Céu e na terra como a Santa do amor apaixonado e da confiança cheia de audácia.

A alma apaixonada não mede riscos

Amor apaixonado?! Mas… a paixão não é sempre um mal?

Não. A paixão será boa ou má, nobre ou vil, de acordo com o objeto do amor. Segundo São Pedro Julião Eymard, só o amor apaixonado é verdadeiro amor: “A Eucaristia é a mais nobre aspiração do nosso coração: amemo-la, pois, apaixonadamente. […] Só ama quem sente em si a paixão do amor”.

O Evangelista põe em relevo um importante detalhe: “Depois disso”, ou seja, após o comovente episódio acima narrado, “Jesus andava pelas cidades e aldeias anunciando a boa-nova do Reino de Deus. Os Doze estavam com Ele, como também algumas mulheres”, entre as quais “Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios” (Lc 8, 1-2).

Santa Maria MadalenaSem dúvida alguma, a ela não precisou o Mestre dizer “segue-me”, pois seu coração nada mais almejava senão acompanhá-lo por toda parte, ouvir suas palavras, vê-lo e ser vista por Ele, manifestar-lhe em prolongadas ou fugazes trocas de olhares seu ilimitado amor.

A alma apaixonada desconhece o medo, não mede riscos. No Horto das Oliveiras, os Apóstolos fugiram apavorados. Maria Madalena, bem ao contrário, foi à procura de seu Amado e O acompanhou na subida ao Calvário. Permaneceu aos pés da Cruz até o momento do consummatum est. Participou do cortejo fúnebre e não quis afastar-se nem sequer quando os discípulos se retiraram depois de rolar a grande pedra da entrada do sepulcro: “Maria Madalena e a outra Maria ficaram lá, sentadas defronte do túmulo” (Mt 27, 61). Exclama a este propósito Santa Catarina de Sena:

“Oh! Madalena, estavas louca de amor! Já não tinhas teu coração, porque ele estava sepultado com teu doce Mestre!”

E Jesus veio ao seu encontro

Afinal, por mais que lhe pesasse, forçoso era retirar-se também ela. Quais eram suas disposições de alma naquela noite e no dia seguinte, bem se pode imaginar pelos relatos evangélicos. Comprou aromas para ungir mais uma vez aquele Corpo adorado e, antes mesmo de despontar o sol, partiu para o sepulcro com duas outras das Santas Mulheres.

Para quem ama, nada há de impossível: ei-las a caminho sem saber sequer como conseguiriam rolar a pesada pedra de entrada. Encontraram-no aberto e vazio! Madalena foi correndo dar notícia aos Apóstolos. Para lá correram Pedro e João, constataram o fato e… “voltaram para as suas casas” (Jo 20, 10).

Ela, entretanto, permaneceu junto ao sepulcro, em prantos. Note-se a força da paixão: Jesus tinha morrido, ela ainda não acreditava na Ressurreição; estava, portanto, à procura de um cadáver. 

Jesus ressurectoChorando, volveu de novo os olhos para dentro do sepulcro. Por que olhar novamente, se já sabia que estava vazio? Porque quem ama de verdade não se cansa de procurar. “Chorando, procurava Aquele que não havia encontrado; inflamada pelo fogo de seu amor, ardia de desejos de encontrar Aquele que ela julgava ter sido raptado”.

Encontrou-o, afinal? Muito melhor do que isto, veio Ele ao seu encontro: Jesus, disfarçado aos olhos humanos, lhe chama com uma só palavra, numa entonação que revelava seu infinito amor: “Maria!” Bastou-lhe também uma palavra para replicar: “Raboni!” Ali estava, vivo, Aquele que ela procurava morto! Ela O via de novo, seu coração encontrou, afinal, repouso.

Cf. Revista Arautos do Evangelho, Julho/2018, n. 199, p. 19-21