O Papa Francisco fala com frequência da pobreza, do amor aos pobres, e o Evangelho do rico e do pobre Lázaro, hoje proclamado, trata exatamente deste assunto.

Não por acaso, muitos dos que consideram o Cristianismo apenas como um fenômeno social optam por referir-se a essa passagem. Afirmam que nela os ricos são ameaçados com os sofrimentos do inferno, enquanto é prometida aos pobres uma merecida recompensa na vida futura. Todavia, se deitarmos maior atenção nas palavras de Jesus, perceberemos não ser esta a imagem que Ele nos apresenta, nem a mensagem que pretende nos transmitir.

Vemos aqui, sem dúvida, um homem de grande fortuna vivendo em situação de bem-estar que, depois de sua morte, se encontra nos tormentos do inferno, e um miserável mendigo entrando na glória do seio de Abraão. Porém, foi a riqueza, enquanto tal, que mereceu ao rico a punição na eternidade? E foi a pobreza, em si, que alcançou a recompensa para Lázaro?

Não é este o ensinamento do Evangelho de hoje.

A riqueza em si não é culposa

No limiar da casa nos deparamos com o pobre Lázaro, faminto e doente, enquanto o rico – que não tem nome, é um anônimo – está constantemente se banqueteando. Afirma-se, assim, não só ter ele muitas posses, mas, sobretudo, não demonstrar piedade alguma para com o sofredor. Pelo contrário, fecha-se em si e vive de forma egoísta em sua riqueza.

No grande ensinamento de Jesus a respeito do Juízo Universal, ao fazer referência específica ao destino eterno dos que estão à sua direita, Ele pronuncia estas palavras: “Tive fome e Me destes de comer, tive sede e Me destes de beber” (Mt 25, 35). Neste trecho do Evangelho, entretanto, afirma-se algo ainda mais importante. Quando o condenado pede para o bem-aventurado visitar seus parentes abastados, ele espera que a presença de alguém ressuscitado dos mortos os convença a viver de forma diferente. Há algo neles que pode e deve ser transformado: de um lado, o fechamento em relação aos desafortunados; de outro, o desconsiderar a Deus.

Os parentes do rico não acreditam em Moisés ou nos profetas, e nem os ouvem. Basta-lhes levar uma vida cômoda, preocupando-se apenas com o meramente material. Em outros termos, têm por objetivo um bem-estar passageiro. Não se importam se, além disso, há algo a mais na vida. Como acontece com muitos hoje, não conseguiram compreender a diferença entre este “bem-estar” e o “verdadeiro bem”, e esse fechamento os levará ao sofrimento eterno.

Jean-Paul Sartre escreve que o inferno são os outros. No Evangelho de hoje descobrimos que o verdadeiro inferno é não amar! Portanto, a riqueza em si não é culposa.

Convite a refletir no Juízo Final

Lázaro, o mendigo de quem Jesus fala – este sim, tem nome –, estava aberto para Deus. Sabia que, diante d’Ele, não era pobre apenas do ponto de vista material, mas também do espiritual. Reconhecia-se pecador e, como tal, acreditava na misericórdia como dom. E como podia o Senhor deixar de atendê-lo?

O Evangelho de hoje nos interpela e traz um profundo ensinamento, lembrando aquilo que tantas vezes esquecemos: a doutrina sobre o Juízo, ao qual todos nós também estaremos sujeitos. A história aqui narrada pelo próprio Jesus, quando ainda vivia nesta terra, nos convida a refletir.

Cristo, em quem acreditamos e a quem somos chamados a testemunhar, abriu, com sua Morte e Ressurreição, o caminho da salvação para todos nós. Aqueles que já alcançaram a felicidade eterna – no Evangelho chamada de seio de Abraão – vivem numa condição que transcende o tempo e está acima de todo o universo criado.

A passagem da Escritura que acaba de ser proclamada ilumina com grande profundidade o mistério de como a perfeição e a eternidade da vida divina penetram nos acontecimentos futuros e atuam nas lutas de nossa vida terrena. Incita-nos também a crer em Jesus Cristo enquanto Aquele que ressurge da morte e de quem depende nosso destino eterno. E isso, por sua vez, nos leva a abrir-nos para os outros e a interiorizar nossa pobreza humana diante de Deus, ainda que vivamos em condições de bem-estar material.

Sintamo-nos pobres diante d’Ele

Nossa verdadeira pobreza, enquanto homens e membros da Igreja, faz com que levemos para os outros, não o nosso próprio modo de entender a vida, nossas ideias brilhantes, nossos projetos humanos, mas sim o ensinamento de Jesus Cristo, sua Boa-Nova e sua presença eficaz. Só assim não terminaremos sendo como o rico deste Evangelho: anônimos de quem ninguém se lembra, porque viveram para si mesmos e não para Deus e para o próximo.

Invoquemos Aquele de quem dependemos, pedindo-Lhe que possamos nos sentir sempre pobres diante d’Ele. Acreditemos em quem ressuscitou dos mortos, conforme ensinam as Escrituras. Ele venceu o pecado e a morte, e nos abriu o caminho da felicidade eterna, não ligada, portanto, ao prazer de um momento.

Tudo isso nos leva a entender a importância de ouvir a Palavra de Deus e nela acreditar, conforme nos recorda São João Crisóstomo: “Ainda que todo o mundo esteja conturbado, tenho nas mãos a  Sagrada Escritura. Vendo o que nela se afirma, encontro minha segurança e defesa. E que leio ali? ‘Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo’ (Mt 28, 20). […] Repito sempre: ‘seja feita a vossa vontade’ (Mt 6, 10). Farei sempre o que Vós quiserdes, não o que estes ou aqueles desejem. Eis o meu baluarte, minha rocha inamovível, o meu báculo seguro”.1

Peçamos hoje, por intercessão de Nossa Senhora do Rosário, particularmente invocada nesta basílica menor, que o Senhor nos conceda este dom e que sempre o guardemos como um tesouro precioso. Amém! ² (Homilia na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, 29/9/2019 – Transcrita da gravação, com pequenas adaptações)(Revista Arautos do Evangelho, Novembro/2019, n. 215,  p. 20-21).