Louvai ao Senhor todos os povos

No início de novembro, nos é dado celebrar a memória de Todos os Santos.

Na Igreja universal, o seu dia de comemoração é o primeiro, e no Brasil sua data foi mudada pela CNBB para o primeiro domingo de novembro, dando possibilidade de que todos participassem de sua missa votiva.

A festa litúrgica é comemorada em honra à infinitude de Santos que povoam o Céu, a maioria deles desconhecida, bem como tantos outros que não caberiam apenas nos 365 dias do ano.

Porém, será que o católico faz bem ao celebrar o culto aos Santos, sendo que Deus foi bem claro: “Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo, ne­nhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto” (Ex 20, 1-3)?

Entendendo a Bíblia

Uma das primeiras coisas que o cristão aprende no catecismo é que Deus é eterno, ou seja, não teve começo e não terá fim.

Isso significa, já que é infinito, que no Senhor não há nenhum tipo de partição: Ele está em todo lugar, para todo sempre.

E se isso é verdade com relação à sua vastidão, também é com seu pensamento.

Em Deus não há confusão de opiniões, Ele não pode dizer algo e mais para frente se corrigir.

Seu pensamento é único, uno, constante, infinito e eterno como Ele.

Portanto, na Revelação que Ele nos faz, nos trechos todos da Sagrada Escritura que foi inspirada aos profetas e escritores pelo Espírito Santo, não há contradição, apenas más interpretações.

Isso quer dizer que, se vemos aparentes “contradições” nos trechos bíblicos, quer dizer que existe uma verdade mais profunda ali que conecta as suas falas divinas.

Ao estudar a Sagrada Revelação, o cristão precisa ir com o espírito de submissão e humildade que, ao se deparar com uma espécie de encruzilhada, ora pedindo sabedoria e procura, em pensadores mais sábios e mais antigos que ele, uma maior explicação.

“Adorarás somente ao Senhor teu Deus”

Se Deus é claro em seu Primeiro Mandamento, como vimos acima no trecho do Êxodo, proibindo que adoremos qualquer ídolo ou imagem, por que em outros trechos vemos não só Ele permitindo tais construções, como as recomendando?

De memória, vêm-me à mente duas: a primeira, onde o próprio Senhor manda a Moisés que, após uma revolta interna, construa uma cruz com uma serpente de bronze: “O Senhor disse a Moisés: Faça uma serpente e coloque-a no alto de um poste; quem for mordido e olhar para ela viverá. Moisés fez então uma serpente de bronze e a colocou num poste” (Nm 21, 8-9).

E a segunda, quando pede que se esculpa um Querubim de bronze para ir encimando a Arca da Aliança: “Farás dois querubins de ouro, de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório” (Ex 25-18).

Como explicar tal contradição?

Lembremo-nos sempre de que, se os textos parecem se excluir, é porque nossa capacidade não alcançou ainda a verdade.

E por isso, humildes, vamos procurar a sabedoria com aquela que detém o poder da interpretação da Revelação Divina: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Perfeito entendimento balanceado

A Doutrina Católica, na explicitação de seus Santos e na explicação de seus ministros, entendeu da Revelação Divina esta lição: existem dois tipos de cultos religiosos, o de adoração, devido somente a Deus, e um culto de veneração, dado às criaturas.

Por que isto? Simples: Deus construiu sua obra hierarquicamente.

Colocou as coisas dispostas umas às outras e escalou, em grau e constituição, a perfeição que existe plena n'Ele.

Ele fez de sua obra um mosaico: em cada criatura, achamos um “pedacinho” d’Ele.

E se prestamos culto de adoração ao inteiro, à totalidade, é normal que prestemos culto, só que agora de veneração, aos “pedacinhos” de santidade que vamos achando.

É por isso que o católico virtuoso se cerca de belas imagens, de belos postais e figuras: cada um deles tem a função de lembrar o Deus criador que o ama.

O culto aos Santos explicado

E se vemos o próprio Senhor pedindo a construção de símbolos aos quais pomos a nossa veneração, muito mais o maior símbolo de Deus nesta terra: o ser humano, pois este foi feito à sua imagem e semelhança.

Portanto, ao celebrar o culto aos Santos, o cristão reconhece a “pegada” divina que existe em seus irmãos celestes.

Cada Santo, pois, tem uma vocação que cumpriu eximiamente e por isso é exemplo para nós: será um São Francisco em seu amor à pobreza; um São Bento em sua plenitude silenciosa; um São Tomás de Aquino com sua imensa ciência; ou ainda, uma Santa Luzia com sua integridade e pureza.

Assim, o culto aos Santos se estende para lembrar-nos de que, se eles conseguiram, nós também podemos, desde que sejamos fiéis à graça de Deus e saibamos nos entregar à sua misericórdia.

Mas não é um único O intercessor?

São Paulo, na sua primeira Carta a São Timóteo, nos afirma: “Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e o ser humano, Cristo Jesus, homem” (I Tm 2, 5).

Como podemos rezar aos Santos, e pedir que sejam nossos intercessores?

Aqui não estaríamos ofendendo a Majestade Divina?

Vejamos, também, que o próprio Apóstolo, em outra de sua carta, afirma: “Caros irmãos, sede meus imitadores e prestai atenção nos que caminham de acordo com o padrão de comportamento que temos vivido” (I Cor 11, 1).

Mais uma vez podemos nos deparar com a aparente contradição: se nosso único intercessor é Cristo, para que imitar um outro homem?

Outra vez, a Santa Igreja se pronuncia: Jesus é nosso único mediador necessário, pois ninguém vai ao Pai sem ser por Ele.

Porém, isso não isenta que outros sejam mediadores opcionais, desejados e escolhidos justamente por sua identidade com Cristo.

São Paulo se põe na situação de ser imitado, porque sabe que os seus contemporâneos, que não tinham visto a Cristo, convivido com Ele, poderiam se perder no caminho e na imitação de Jesus.

Por isso se faz estrada, se faz ponte, se faz placa: sua vida nos ensina a ser melhor de Nosso Senhor.

Deus, como vimos acima, construiu sua obra para ser hierarquicamente disposta, e não fez rampas, mas sim escadas.

De degrau a degrau vamos alcançando o Céu, como Jacó viu em seu sonho.

Sejamos sábios o suficiente para não confiarmos em nossas próprias forças nesta caminhada, e usemos os degraus que Deus nos pôs entre Ele e nós.

Essa é a função do culto aos Santos que celebraremos, e nada mais: são suaves atalhos que tomamos para atingirmos a Cristo.